A Fonte
A Fonte - Excerto do livro
Prefácio
Extração
Celas feitas de vidro cobriam os longos corredores brancos, as luzes dos seus sensores piscando e se apagando. Em uma dessas celas, uma jovem de pele macia e intocada pela luz do sol estava sobre uma cama. Fios de longos cabelos negros se derramavam sobre o travesseiro de linho branco. Em seu rosto em forma de diamante, maçãs do rosto delicadas se erguiam acima dos lábios rosados e cheios.
Ela estava deitada quieta demais, vestida com uma camisa branca de mangas compridas e calças. Somente quando ela respirava e os lençóis se mexiam, ela revelava algum sinal de vida. Uma coleira de aço estava apertada em seu pescoço, pequenas luzes verdes ao longo da borda externa piscando na superfície junto com sua respiração. Esse piscar também imitava o padrão de luzes semelhantes no canto da sala, perto da porta de entrada. Quando o verde ficou amarelo, o corpo da mulher pareceu relaxar. Seus músculos antes rígidos se descontraíram, permitindo o movimento mais uma vez.
Seus olhos se abriram.
— Olá? — a mulher sussurrou, olhando para o teto branco. Ela estava sozinha, mas algo a havia despertado. Ela olhou em volta, agora se lembrando de onde estava com uma certeza agonizante. Seus sonhos forneciam a única fuga dessa realidade.
O mesmo dia se repetia constantemente - testes e exames. Ela se lembrou de um lampejo de seus dias iniciais, sentada diante de um homem de branco. Suas irmãs os chamavam de Jalecos. Alguns usavam um uniforme preto ou azul com estranhos emblemas vermelhos na lateral do braço. Aqueles eram os guardas, que a traziam para a sala onde os testes eram realizados.
Os testes eram sempre os mesmos.
Havia sempre uma parede entre eles, a metade inferior sólida e a metade superior de vidro. O Jaleco fazia perguntas usando apenas sua mente e permitia que ela lesse seus pensamentos. Ela achava esse um jogo chato; ela sempre respondia corretamente.
Às vezes, ela ficava instável; era assim que eles chamavam. O nariz dele começava a sangrar, e um sorriso se formava em seus lábios até um choque violento percorrer seu corpo. Então ela caia. Era isso o que a coleira fazia quando a ativavam. Isso acontecera no dia anterior, e ela ficara em seus aposentos, parada como uma estátua e incapaz de se mover, desde então. Talvez esse fosse seu castigo. É claro, eles queriam controle total sobre os que estavam em contenção.
Ela era, afinal, uma prisioneira dos homens de jaleco branco. Ela era especial, eles haviam dito. Ela estava entre os poucos que podiam falar com eles - as criaturas nos contêineres, os mesmos seres que ela encontrava em seus sonhos.
Ela havia ouvido uma voz chamando-a logo antes de abrir os olhos, ou estivera tudo dentro de sua cabeça? Ela puxou o lençol de algodão do corpo, virou para o lado da cama, passou as pernas pela borda e sentou-se.
Maya. Desta vez, ela tinha certeza de que ouvira. Um sussurro em algum lugar, escondido atrás dela ou mesmo viajando pelas aberturas da ventilação. Não, estava dentro da cabeça dela.
O pequeno quarto que ela ocupava não tinha janelas, apenas a porta de vidro transparente revelando o corredor externo - forte e esterilizada. Ela conhecia as dimensões do corredor de cor. Ela vira isso em seus sonhos.
Maya. A voz estava claramente dentro da sua cabeça. Alguém estava tentando alcançá-la.
— Quinn?
— Sim...
— Eu estou te ouvindo. Onde você está?
***
— Quem é você? ela havia perguntado daquela primeira vez.
— Alguém que te ama. Você não sente isso?
O choque da coleira a fizera se sentar de súbito. Uma agulha perfurou sua pele, e a voz dele desapareceu.
Ele encontrava sua mente durante os testes e experimentos - sua primeira indicação de que ele era real. A coleira e suas agulhas subjugavam suas habilidades e o vínculo entre eles. Controle. Ele havia ensinado a ela a habilidade, o ofício de sua conexão e, com o tempo, ela havia dominado certas habilidades.
— Você está ficando mais forte — ele a havia dito com orgulho.
A vida deles se desenrolou em sua mente e uma vasta civilização floresceu; ela fazia parte desse mundo. Ele ficou ao lado dela, segurando-a nos braços e observando o mundo com ela.
— Uma vez tivemos uma vida juntos — disse ele. — Viemos das estrelas. Muito foi perdido. Incluindo entes queridos. — Ele se virou para olhá-la. — Mas eu te encontrei novamente.
— O que aconteceu com o nosso mundo? — Ela sabia que agora era isso o que via diante deles — um planeta outrora rico e bonito, seus recursos reduzidos e esgotados a vastos aterros de lixo. O ar ficava mais ralo, tornando-se insuportável. Incêndios tomaram o lugar dos campos verdes, destruindo as poucas colheitas restantes. O céu escurecia e as tempestades aumentavam. Eles ficaram assistindo ao desenrolar de tudo.
— Tomamos e tomamos até que não houvesse mais nada para usar. Matamos tudo pelo poder e, à beira de encontrar uma solução - nossa mais importante descoberta - apenas criamos mais caos.
Cristais iluminavam uma nave que entrava na vasta extensão do espaço, da lateral escorria um piche preto manchava a superfície do piso do local e das câmaras de hibernação.
— Eles são lindos — disse ela.
— Eles são mortais… — ele sussurrou. — Destruímos nossa única casa. Os cristais só trouxeram doenças e o piche veio depois. — Ela encontrou tristeza na voz dele, decepção nos seus olhos roxos.
Quando eles estavam juntos, parecia que eles existiam sozinhos em outro plano; sua conexão havia alcançado um vínculo mais profundo que nem os Jalecos podiam detectar ou possivelmente entender. O mundo que ele havia conhecido agora se fora; ela sabia disso porque ele sabia. A busca de seu povo por um novo lar os trouxera à Terra — e a ela.
— Estou perto. Mais perto do que você pensa, meu amor... Venha para mim. Está na hora. — Suas palavras a trouxeram de volta a essa realidade - uma realidade que ela odiava.
Ela se levantou da cama, as pregas de um uniforme de linho branco acariciando sua forma. As marcas vermelhas no colarinho eram idênticas às dele. A estrutura de metal da cama havia sido gravada com linhas simples para registrar seu tempo lá. Quantos dias haviam se passado? Quantos anos? Ela havia arranhado dezoito linhas no metal antes que ele a encontrasse e depois havia parado de contar os dias; ela não podia ter certeza de quantos mais tempo perdera dentro dessas paredes.
— Venha para mim, Maya. Por favor — ele implorou. — Eu preciso de você mais do que nunca. Não deixe que eles nos separem por mais tempo. Quero você aqui. Venha até mim. Por favor... — Ela sentia falta dos braços dele e ansiava pelo conforto da presença dele nessa realidade.
— Também sinto sua falta. Eu te amo. — Uma onda de energia inundou seu corpo, estendendo-se de um lugar desconhecido onde ele morava na escuridão, como uma corrente elétrica se estendendo de um extremo ao outro até que estivessem ligados, mental e espiritualmente. O “distúrbio genético”, diziam os Jalecos. Para ela, era amor.
— Como? Eu não posso... — Ela congelou.
— Sim, você pode. Confie em mim — ele disse.
Ela pressionou o rosto contra o vidro da porta, sentindo a energia correr pelas pontas dos dedos. A fechadura acima da porta estava eletricamente carregada, o mecanismo operando exatamente como a coleira em volta do seu pescoço. Ela estendeu a mão para tocar a coleira de metal. Seus dedos totalmente carregados enviaram um choque através dela, e ela caiu com um ruído aos seus pés.
— Juntos somos mais fortes — ele sussurrou. Eles haviam praticado o ato repetidamente; várias vezes, ela sofrera a força do choque poderoso, que a deixava imóvel pelo resto do dia. Eles haviam aprendido como mudar o padrão. Então ela descobrira um breve momento em que o colar estava menos ativo dentro da cela.
— Juntos somos mais fortes. Eles não conhecem a força do nosso poder.
O interruptor acima piscou e a porta trancada se abriu.
Ela entrou no corredor, tetos e paredes brancos se estendendo em cada direção. Quartos como o dela alinhavam-se no corredor.
— Não tenha medo — disse ele. — Maya, depressa. Não há tempo a perder...
Ela correu para um extremo do corredor; acima dela, a saída de ar sacudiu. Os parafusos caíram lentamente dos soquetes no chão, cada um deles aterrissando com um baque leve na palma da sua mão aberta. A grade sobre a abertura se seguiu. Maya a pegou rapidamente e a colocou no chão. Então ela pulou para agarrar a borda do duto de ar, ergueu-se até ele, e desapareceu na escuridão.
— Eu estou indo — ela sussurrou.
Os dutos compunham um vasto labirinto, voltas e mais voltas que se abriam a todos os corredores onde guardas patrulhavam. Maya desprezava aqueles brutos.
Ela se arrastou para frente, a voz dele liderando o caminho. — Não tenha medo. Quando você estiver aqui, ficaremos juntos para sempre e ninguém nos separará... — ele a encorajou.
A imagem de um jovem vestido com roupas de couro preto brilhou em sua mente; ele a esperava. Ele estava lá em seus sonhos e pensamentos. Seu rosto era branco-amarelado, mechas de cabelo escuro cortadas curtas e práticas. Seus olhos roxos amendoados a olhavam de algum lugar escuro.
O uniforme dela prendeu em um parafuso solto nas paredes do duto, rasgando quando ela o puxou. Vozes distantes chamaram sua atenção, levadas até ela por uma abertura nas proximidades. Ela se inclinou na direção da grade para olhar mais de perto.
A sala era grande e branca, cheia de equipamentos de laboratório. Um grande recipiente continha uma figura, vestida com um uniforme de couro escamoso, sentada dentro dele. Ela reconheceu o uniforme. Quinn usava um igual.
— Cuidado — uma voz masculina avisou. No outro lado da sala, ela percebeu o movimento de um braço mecânico. Ela não conseguia ver claramente o que estava acontecendo.
— As células estão se partindo. Está funcionando! — outro homem exclamou do outro lado da sala. — Parabéns, Dr. Nicholson. Parece que o procedimento foi um sucesso.
— Eu nunca tive dúvidas — respondeu uma terceira voz muito mais sombria.
— Você sabe o que criou aqui, senhor? Nós devemos notificar a Companhia imediatamente...
A conversa se esvaiu quando Maya perdeu o interesse e se preparou para seguir em frente pelo duto. Ela não conseguiria avaliar o escopo completo do que havia acontecido de sua posição no duto de ventilação, não importava o quanto ela olhasse.
Ela parou quando um baque alto seguido pelo estalo de vidro quebrado se ergueu da sala, e ela olhou para trás para espiar pela grade mais uma vez. Um corpo jazia no chão abaixo dela, então ela ouviu outro estrondo. Faíscas voaram e fumaça subiu pelo quarto.
Um grito sufocado brotou de sua garganta, mas ela cobriu a boca com a mão. Outra figura estava agora sobre o corpo imóvel enquanto as chamas subiam, consumindo e destruindo tudo dentro das paredes brancas.
A figura, quase indiscernível, olhou para a abertura. Maya tinha certeza de que ele a via, podia senti-lo olhando profundamente em seus olhos escuros. Por um momento, ela não pôde se mover; os lábios dela tremeram. Então o homem se foi.
Maya se apressou pelo duto. Um alarme soou e luzes brilharam de todas as direções. — Atenção! Formas de vida alienígenas foram detectadas. — O som mecânico do sistema de aviso do computador ecoou pelas aberturas de ventilação. — Formas de vida alienígenas foram detectadas no Setor 10. Atenção! Possível contaminação...
Ela chegou ao fim da abertura e derrubou a grade antes de descer. Um espaço grande e escuro se espalhou diante dela, as lâmpadas do teto acima provendo uma luz fraca e ineficaz. Em todas as direções, fileiras e fileiras de contêineres continham figuras sem vida, flutuando em uma substância líquida dentro do vidro transparente.
— Maya — ele chamou. Ela se moveu rapidamente pelos contêineres, que sacudiram quando passou por eles.
Os alarmes ainda soavam em todas as direções.
Ela se apressou, sentindo-o mais perto do que nunca. Por um momento, ela teve que parar e cair de joelhos, sentindo-se subitamente fraca. Os recipientes tremiam e balançavam, rachaduras aparecendo em pedaços dos vidros. Vapor e fluido se derramaram através das fissuras, que estalaram e verteram mais líquido através das rachaduras que se alargavam rapidamente.
Maya se virou para assistir aos outros recipientes se esfumaçarem e assobiarem. Então, um após o outro explodirem em incontáveis pedaços, enchendo a sala com uma névoa gelada.
A voz no interfone falou novamente:
— Atenção! Todos os contêineres do Setor 12 foram violados. Formas de vida alienígena foram detectadas. Advertindo todo o pessoal. Protocolo de evacuação ativado. Todo o pessoal, o protocolo de evacuação foi ativado. Atenção! Formas de vida alienígenas foram detectadas.
Lindos rostos pálidos, com mechas de cabelo emaranhadas e vestidos com uniformes de couro escuro surgiram atrás dela. Maya lutou para se levantar, mas não conseguiu se erguer, o medo a paralisara com a visão.
— Maya. — Ele emergiu das figuras circundantes e estendeu a mão para ela. Os outros se espalharam pelos corredores.
— Maya — disse Quinn em voz alta —, nós fomos mantidos separados por tempo demais, meu amor.
Ela pegou a mão dele e ele a puxou para perto.
— Formas de vida alienígenas detectadas no Setor 10. Todas as celas dos prisioneiros foram violadas.
— Eu esperei por esse momento por muito tempo. Sentir você nos meus braços, tê-la ao meu lado. Minha amada Maya. Eles pagarão por nos manter separados. — Ele a levantou nos braços quando o teto acima deles começou a desmoronar.
— Queimem tudo! Destruam tudo! — ele gritou. O teto caiu e, através da brecha, os seres subiram aos céus. Em seus braços repousavam as mulheres que haviam resgatado - prisioneiras como Maya - amigas, irmãs.
Quinn subiu com eles enquanto o prédio, sua prisão, desmoronava e queimava. O céu estava cheio dos anjos dos seus sonhos. Maya fechou os olhos, agarrando-se ao abraço de Quinn enquanto ele a levantava aos céus.
Capítulo 1 - O Destino de Belle
Março, dias atuais
O avião pousou em Houston, Texas. Papai havia dito que ele e mamãe chegariam mais tarde naquele dia. Eu havia dito que era estranho, eu ir sozinha. Eu não havia gostado nada. Mas não podia questionar. Eu aprendera desde muito cedo a nunca questionar as decisões dos meus pais.
— Um carro estará lá para buscá-la — ele havia dito. Ele entregara minha bagagem ao motorista, que a colocara no porta-malas. — Apenas espere lá fora.
Então o motorista abrira a porta do passageiro do Range Rover preto e meu pai me conduzira até ele.
— Você não vai estar lá? — eu havia perguntado. Isso era repentino. Por que eu só estava ouvindo sobre isso naquele momento? Meu pai me dera um olhar severo. Eu sabia que era melhor não continuar pressionando-o, mas estava com raiva.
— Tenho negócios a tratar pela manhã ...
— Que tipo de negócio? — Eu disse. — Não dá para esperar? Eu pensei que estávamos indo em um cruzeiro. Você disse que finalmente iríamos fazer algo juntos como uma família.
— Não discuta comigo. Você sabe que não tenho escolha. Se eu sou solicitado, eu tenho que estar lá.
— E qual é a desculpa da mamãe? Ela não quer ficar sozinha comigo?
As sobrancelhas dele se franziram. — Se você está tentando começar uma briga comigo, isso não vai me fazer mudar de ideia. Você vai ficar bem... até chegarmos. Como instruí, um veículo estará lá para buscá-la.
E havia sido só isso...
Agora que eu tinha desembarcado, peguei minhas malas na área de bagagens e fui até a entrada do aeroporto. Do lado de fora, outros viajantes lotavam as calçadas, veículos estacionavam na pista para pegar amigos e familiares.
Fiquei esperando, como meu pai instruiu, até um Lincoln com janelas pretas parar no meio-fio. Eu me perguntei o quão lamentável eu parecia, sentada ali esperando como uma criança abandonada. A porta se abriu lentamente e, por um momento, eu esperei que fosse meu pai, mesmo que ele odiasse carros americanos.
Um homem de trinta e poucos anos vestindo um terno preto e uma gravata verde pastel saiu. Ele era alto e um pouco gordinho. Ele não sorriu. O ninho de seus cabelos escuros estava emaranhado, e as olheiras sob seus olhos pareciam indicar que ele ficara acordado até tarde. Minha primeira impressão dele foi a de que era uma pessoa altamente não profissional e desorganizada. Seu terno era um pouco grande demais, as pernas da calça estavam largas demais em torno de suas panturrilhas e tornozelos, e sua gravata era de uma cor feia.
Ele sabia quem eu era antes que eu pudesse me apresentar. — Senhorita Claudia Belle? — ele perguntou enquanto se aproximava.
Curiosamente, olhei para o rosto dele, com medo do que ele revelaria.
Ele abaixou a cabeça levemente; seus olhos assumiram uma profunda tristeza. Eu já sabia muito antes de ele me dizer.
Eu respondi: — Sim?
Ele respirou fundo. — Eu sou o Sr. West, um amigo do seu pai. — O mundo continuou ao nosso redor sem o menor cuidado.
Por um longo momento, eu não disse uma palavra, com medo de ver seus pensamentos estampados em seu rosto cansado. Lágrimas se acumularam nos cantos dos meus olhos, e um pequeno suspiro me escapou.
— Ele me pediu para vir. — O Sr. West fez uma pausa como se também achasse difícil falar. — Receio ter notícias terríveis... — acrescentou, e eu sufoquei um soluço. — Seus pais sofreram um acidente — ele finalmente conseguiu dizer. Uma lágrima rolou pela minha bochecha. Eu olhei para ele, meus olhos bem abertos. — Eu sinto muito.
Sem palavras, sentei-me lá e chorei, limpando as lágrimas que escorriam dos meus olhos. Eu não sabia o que dizer. Eu não acreditava, mas era a verdade. Eu sabia.
— É por isso que você está aqui? — Eu perguntei, tentando me impedir de chorar, mas não adiantou.
— Fui instruído a levá-la a um amigo — disse ele. Ele abriu a porta do Lincoln. Em qualquer outro momento, eu não teria acreditado em um estranho. É claro que ninguém em sã consciência teria aceitado algo tão ultrajante sem provas concretas, mas eu sabia como diferenciar as verdades de uma pessoa de suas mentiras. Para ser sincera, eu ouvia isso em seus pensamentos.
Eu queria fugir da verdade, dele e de tudo o mais, mas apenas fiquei lá. Ele abriu a porta do Lincoln e olhou para mim.
— Tenho algo para você do seu pai. Ele me instruiu a dar a você, se alguma coisa acontecesse com ele ou sua mãe...
Respirei fundo e subi no Lincoln. O motorista saiu do banco do motorista e pegou minha bagagem. O Sr. West fechou a porta atrás de mim e entrou no carro. Ficou quieto por um momento antes que o motorista se sentasse novamente e começasse a dirigir.
— Seu pai fez isso para você — disse o Sr. West. — Ele me pediu para vir, se alguma coisa acontecesse. Sou advogado.
— Você é advogado do meu pai? — perguntei. Ele não era, percebi de repente.
Ele levou um momento. — Ajudei seu pai a fazer os arranjos com meu cliente.
— Arranjos? — Mas ele não respondeu, ocupado puxando um dispositivo da sua pasta.
Eu já sabia. Papai o havia contratado para cuidar da papelada de outra pessoa. Eu encarei o Sr. West, e um nome ecoou claramente em sua mente: Edwards. Esse Edwards era alguém em quem meu pai confiara.
Ele pegou um iPad. — Ele me pediu para lhe dar uma mensagem.
— O que é isso? — O Sr. West apontou o dispositivo em minha direção e percebi que era um vídeo. Quando peguei o iPad e apertei o play, o rosto do meu pai apareceu na tela.
— Claudia — ele disse —, se você está vendo isso, então eu temo que... — Ele fez uma pausa. — Você deve me ouvir com muito cuidado. Ouça o que o Sr. West lhe diz. Eu não posso explicar tudo completamente, mas com o tempo, você descobrirá a verdade por si mesma. Agora, você deve ir com o Sr. West. Eu garanti um lugar para você com uma pessoa em quem confio. Ele cuidará de você agora. Todas as providências foram tomadas para seu conforto e segurança. Você deve acreditar em mim, que fiz tudo isso para protegê-la. Nós te amamos. Nunca esqueça isso. Nós te amamos.
— Nicholas, por favor, deixe-me... — minha mãe implorou de fora da câmera. — Eu te amo... — ela disse antes de começar a soluçar, incapaz de continuar.
— Fique em segurança... — Essas foram as últimas palavras do meu pai, e então a imagem sumiu.
West puxou o iPad de volta e o enfiou na pasta, sentando-se silenciosamente. — Essa é a mensagem. Recebi a notícia do acidente esta manhã. Mais uma vez, sinto muito por sua perda.
No início desta manhã, pensei. Eu havia partido na noite anterior. Ele dissera que um carro estaria lá para mim. Eu pensei que ele quisera dizer um carro com ele e minha mãe dentro. Ou talvez que ele tivesse planejado enviar um veículo da empresa. Ele havia dito que iríamos sair de férias. Então seu trabalho chamou, e as coisas mudaram. Parecia estranhamente encenado.
— Todas as providências finais para o enterro foram resolvidas pelo empregador de seu pai. Os detalhes estão nesses documentos. — O Sr. West puxou uma pilha de papéis da pasta. — Você tem alguma pergunta para mim?
— Eu não entendo. Estávamos saindo em um cruzeiro... e agora ... — O carro saiu da rua do aeroporto e virou para a saída que nos levaria à estrada.
— Querida, você ouviu o que eu disse? — ele perguntou.
— Como eles morreram? — perguntei.
O Sr. West olhou para mim com olhos arregalados e surpresos, hesitante em responder. — Eles foram atropelados por um caminhão que passava a caminho do aeroporto... — Até onde ele sabia, fora isso o que acontecera. Era tudo o que sabia. — Foi um acidente grave. Não havia nada que alguém pudesse ter feito. — Ele voltou aos documentos.
— Onde será o funeral? — perguntei, olhando para o meu colo.
— Não haverá um. O empregador de seu pai deu instruções específicas sobre o manuseio dos restos mortais de seus pais. Seus corpos serão cremados imediatamente. Seu pai concordou com isso antes de morrer.
Eu olhei para ele. Eu era filha deles. Eu não tinha nenhuma escolha sobre isso?
O telefone do Sr. West tocou e, pelo bocal abafado, ouvi o nome Edwards novamente. — Sim, ela está comigo agora — disse ele. — Acabei de buscá-la no aeroporto. Vou deixá-la na sua residência... Não? — Ele franziu o cenho e piscou, incapaz de olhar para mim. — Isso não será um problema. Pode ser na escola. Não, eu não vou entrar. Espero que você entenda. Tenho negócios urgentes no escritório... Muito bem, então.
— Eu quero que você faça algo por mim ...
Uma lembrança surgiu em minha mente. Eu estava do lado de fora da minha escola no final do dia, e meu pai havia vindo me buscar no próprio carro. Normalmente, ele enviava um para mim ou, se alguma vez decidisse se juntar a mim, contratava um motorista e viajava com um segurança.
— O que está acontecendo? — Eu havia brincado, percebendo que ele me vira procurando por seus guarda-costas. — Onde estão seus amigos? — Eu entrara no carro e colocara minha mochila no chão entre os pés.
— Eu dei a eles o dia de folga — ele respondera, mas eu podia dizer que ele estava escondendo alguma coisa.
Eu levara um momento para olhar para ele. Seu cabelo loiro estava sempre tão bem arrumado, e naquele dia ele usava um terno cinza escuro e gravata preta. Não me lembrava de algum dia tê-lo visto em traje casual, mesmo quando estávamos sozinhos em casa. Muitas vezes me perguntava como poderia ser sua filha e ainda não me parecer em nada com ele.
— Qual é a ocasião? — eu havia perguntado. Tinha que haver uma razão para sua decisão de me pegar; ele nunca havia feito um esforço para sair sem os guarda-costas por minha causa. Eu havia afastado meu longo cabelo castanho e o puxado para um rabo de cavalo, antes de deixá-lo deixei cair sobre meus ombros.
— Eu não posso pegar minha filha na escola?
Eu havia feito uma careta para ele, notando pela milionésima vez quão clara a pele dele era comparada ao meu tom marrom dourado. Minha mãe era da mesma cor.
Do lado de fora, outros pais pegavam seus filhos e carros se alinhavam no acostamento, lotando a rua principal. Então ele dera partida e seguira em frente, deixando tudo para trás.
— Não, sério. O que está acontecendo? — eu havia perguntado.
Ele havia tentado sorrir, mas pareceu mais uma careta de decepção. Eu pensava que talvez lhe doesse que nossas reuniões sempre indicassem algo ruim. — Eu só quero falar com você. Ver como as coisas estão indo na sua vida. Faz tempo que nós não conversamos...
— Nós nunca conversamos, pai.
— Exatamente. E é por isso... é por isso que deveríamos.
Eu gostaria que ele apenas me dissesse o que estava acontecendo. Eu queria ler sua mente, mas quebrar essa regra o deixava com raiva. Eu não deveria fazer isso com ninguém, e não ousava tentar com ele.
Pegamos a longa viagem para casa e paramos na sorveteria. Quando ele parara no estacionamento, eu não soube o que dizer. Ele estava morrendo? Íamos conversar por cima de um sorvete de baunilha?
— O que estamos fazendo? - eu havia perguntado.
Ele desligou o motor e sorriu. — Estamos tomando sorvete. — Então ele abriu a porta e saiu.
Eu não sabia o que pensar, e as coisas pareceram estranhamente normais até a metade do nosso mimo de depois da escola.
— Eu quero que você faça algo por mim... — ele começara. Eu sabia que não poderia ter durado - nós dois felizes e eu finalmente cumprindo todas as suas expectativas. — Claudia, se alguma coisa acontecer comigo e com sua mãe, eu quero que você esqueça.
Eu estreitara meus olhos para ele. Não era esse o tipo de conversa que se tinha com o pai enquanto tomavam sorvete. — Pai, para.
— Não, escute. Isso é importante, ok?
Eu havia olhado para seus olhos azuis bebê, inabaláveis em sua seriedade mortal. Parecíamos um par estranho sentado ali - ele de terno, eu de uniforme escolar, sentados em um silêncio rígido com sorvete derretendo sobre os cones. As pessoas sempre nos davam olhares críticos quando estávamos juntos. Papai os ignorava com distanciamento eficiente, mas eu ainda estava aprendendo - e ainda trabalhava no meu auto-controle. Tudo girava, me empurrando e me puxando, as vozes daqueles ao nosso redor ficando mais altas, sussurrando suas inseguranças e suspeitas. No minuto em que ele sentiu que eu estava me perdendo, ele me redirecionou.
— Pare — ele retrucou, e algo dentro de mim voltou à normalidade - como se nada tivesse acontecido.
— Ok.
— Acontecerão coisas que você não pode impedir — continuou ele. — Coisas com as quais você não vai concordar, talvez que você ache que não estão certas. Não importa o que você sinta, o que você perdeu... suas coisas, suas pinturas... quero que você as esqueça. Tudo. Inclusive nós.
Eu havia franzido uma sobrancelha. — O que? Por quê? — Eu encarara ele em descrença, mas ele estava apenas olhando para mim. Nenhuma mudança, nenhuma emoção - eu apenas tinha que fazer o que ele disse.
— Elas não são nada além de coisas.
— E você. E nossas memórias. Elas são apenas coisas? — eu havia perguntado.
— Escute ... Sim, mas você não precisa delas. Não quando estamos aqui em cima. — Ele deu um tapinha na própria cabeça. — Todas essas coisas podem ser substituídas. Suas roupas, suas tintas. A diferença importante é que você nunca se preocupe com elas. Podemos perder o que temos, mas são apenas coisas. OK?
— Tudo bem. — Não fazia sentido para mim, mas eu havia concordado, apenas para não começar uma discussão.
— Deixe que eles fiquem com tudo. — Ele sorrira e dera uma mordida na baunilha. Naquele momento, havia visto uma paz em seus olhos, mas ainda não entendia.
Que eles fiquem com tudo?
— Então, você não precisa se preocupar com nada — continuou o Sr. West, me puxando de volta para o carro e para a nossa situação impossível. — Todos os arranjos foram resolvidos. Não há nada para você se preocupar. — Ele deu um meio sorriso simpático.
— Quem é o Dr. Edwards? — perguntei. O nome continuava aparecendo em sua cabeça, e eu tive que mencioná-lo, embora eu antecipasse sua reação de choque de olhos arregalados.
— Seu pai deu instruções específicas de que você deveria ser levada ao Dr. Edwards se algo acontecesse com ele e sua mãe — disse ele, rapidamente. — O Dr. Edwards é seu avô. — Ele parou, esperando minha reação, mas eu não tive uma.
Eu só conhecia um homem que era remotamente próximo de ser um avô, e o Sr. Valentine era um homem rico que meu pai conhecia. Papai me levara para vê-lo algumas vezes em sua casa grande e extravagante. Aparentemente, o homem tinha sido como um pai para meu próprio pai, o criara e dera a ele as ferramentas que ele precisava para ter sucesso. Papai odiava me levar para vê-lo; ele sempre ficava tenso e irritado nos dias que visitávamos. Mas ele sempre me preparava para o dia. Ele me dizia para limitar meu poder quando me encontrava com ele. O homem sabia da nossa capacidade e isso o havia tornado rico.
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