Coração Partido
Coração Partido - Excerto do livro
Capítulo 1
O clima do mês de março no Condado de Wharton, Pensilvania, era tão imprevisível quanto uma tirada esperta da Nana D. Apesar de estar marcado para acontecer, o impacto real ostentava um alcance infinito, diferente de qualquer míssil que eu já tinha visto ser lançado. Poderia acontecer uma nevasca digna de um globo de neve sendo chacoalhado por uma criança extremamente animada, ou a primavera poderia ter testado o seu desejo de romper pelo solo congelado com um desejo de viver incomparável. Enquanto o trovão soava acima de mim no céu nublado, eu lia pela terceira vez a última mensagem da minha avó, me perguntando se ela percebia a extensão com a qual conseguia deixar as pessoas confusas e querendo chorar (tudo isso em uma única mensagem de texto aleatória).
Nana D: Não consigo mais aguentar esses velhos chorões. Me salve. É melhor que você não se atrase. Você já cortou seu cabelo? Eu tenho visto animais de fazenda mais atraentes do que você ultimamente. Algumas vezes não consigo acreditar que você é da minha família. Preparei uma sobremesa especial. Por que você não me convenceu a sair dessa corrida eleitoral estúpida? Estou orgulhosa por você ter voltado para casa. Me diga novamente o que é um emoji? Preciso arranjar encontros para nós dois. Eu deslizo para a direita ou para a esquerda quando estou interessada em um homem? Se apresse. Beijos e abraços.
Já que nós adorávamos torturar um ao outro de uma maneira amável, mas ainda assim competitiva, eu ignorei a loucura da minha avó, esperando que isso a levasse a ter um ataque de raiva em frente aos seus amigos. Aquele coelhinho da Energizer precisava desesperadamente de uma dose extra de Valium, enquanto eu ansiava pelo tempo mais seco e quente como droga da minha escolha. Ao invés disso, eu encarava depressivamente uma grande nuvem de tempestade que ameaçava nos torturar novamente. Nós já havíamos passado por quatro dias de chuvas torrenciais que fez com que tudo parecesse como pão molhado. E para o caso de eu não ter sido óbvio, ninguém gosta de pão molhado. Agora que pensava sobre isso, minha semana inteira parecia que havia sido como um pedaço de pão molhado com um lado polvilhado com uma sensação de morte implacável e peculiar.
Logo após aceitar meu novo emprego como professor em Braxton e resolver meu primeiro caso de assassinato, eu estava esperando um pouco de descanso. Infelizmente, tudo se transformou em um grande queijo suíço cheio de buracos do tamanho do Grand Canyon. Não, eu não era um policial ou um investigador particular. Eu tive a sorte de solucionar os assassinatos de duas colegas, antes que a nossa xerife ranzinza do condado finalmente prendesse o culpado, ainda assim, isso não foi a coisa mais escandalosa sobre a minha volta para casa depois de um período de dez anos.
Quando contei aos meus sogros que iria sair de Los Angeles e me mudar de volta para a Pensilvania, fiquei sabendo durante uma conversa comum e ordinária, que minha esposa supostamente morta, Francesca, não estava realmente morta. À quase dois anos atrás, eu havia sido levado a acreditar que ela havia perecido em um acidente de carro, quando um motorista bêbado ultraprassou um sinal vermelho em uma interseção perigosa. Isso não era verdade! “Viva hoje, morta amanhã. Hey, estou aqui novamente. A vida depois da morte não era tão divertida, então eu mudei de ideia sobre estar morta. Isso não era para mim!” Talvez as coisas acontecessem assim no ameaçador mundo dos meus sogros, a Família Castigliano, mas definitivamente não no meu.
O acidente de carro havia sido planejado pelos pais de Francesca depois que alguém tentou matar minha esposa como vingança por uma multitude de problemas na máfia. Meus sogros estavam no comando de um sindicato cruel de Los Angeles, e de alguma forma Francesca (que nunca me contou nada sobre esse aspecto da vida dela enquanto estava viva) havia sido pega na teia de mentiras deles. A única maneira que eles tinham de proteger Francesca e a nossa filha, Emma, havia sido fingir a morte de Francesca.
Minhas emoções estavam incrivelmente erráticas e cruas durante os últimos cinco dias, desde que descobri a verdade. E eu não podia contar a ninguém além da minha irmã, Eleanor, que estava presente quando Francesca apareceu. E tão facilmente quanto minha esposa não-mais-morta havia se materializado, ela desapareceu novamente sob a cortina de ferro que era a proteção de seus pais. Será que havia algum livro de bolso sobre como lidar com uma esposa que havia voltado do túmulo? Será que eu havia sido sequestrado e sofrido uma lavagem cerebral por algum culto enquanto performavam algum louco rito de iniciação? Sério?! O que foi que eu fiz no passado para levar o mais forte dos socos no estômago. Infelizmente, eu não tinha respostas, mas com relação às minhas prioridades, minha presença era imediatamente requisitada em outro lugar para um tipo diferente de tortura brutal.
Eu estava dirigindo para visitar minha avó de quase setenta e cinco anos de idade, Nana D (conhecida por todos os outros como Seraphina Danby) que havia declarado sua intenção de concorrer na eleição para Prefeito do Condado de Wharton, em uma conferência de imprensa surpresa, mais cedo naquela semana. Com um metro de meio de altura, menos de cinquenta quilos, quando molhada (a maior parte pelo cabelo vermelho tingido de henna que pegava quase metada da altura dela) e muito mais sarcástica do que eu, Nana D estava se preparando para sua primeira campanha como candidata. Eu havia prometido organizar todos os seus voluntários “velhos chorões” para a campanha eleitoral, já que nenhum deles sabia por onde começar.
Apesar de que um chá completo seria servido na Nana D, eu fui até a The Big Beanery, a cafeteria estudantil charmosa e sempre lotada de Braxton, e pedi um mocha de caramelo extra-forte e extra-grande para viagem. Salivei quando passei pelo balcão de doces, apesar de saber que Nana D provavelmente teria feito algo delicioso que eu, sem dúvida alguma, iria consumir como um porco esfomeado. Eu olhei pelo local procurando por algum dos meus estudantes que pudessem estar por ali com seus amigos, ou revendo os materiais de aula em grupos de estudos, mas a única pessoa que eu reconheci não era de maneira alguma uma estudante.
O que a Reitora Terry estava fazendo no campus em um sábado? Enquanto eu esperava pelo meu café extremamente complexo, com um palpite de que ela estava sentada sozinha, eu segui até a mesa para alegrar seu dia. Esse era o tipo de cara que eu era. Apesar de eu não ter um metro e oitenta de altura, minha colega era o oposto, sendo bem alta, e escolhia manter seu cabelo extremamente curto. Com uma constituição física de um quaterback que havia comido muito sal recentemente, a reitora estava usando sua forte presença para intimidar estudantes durante quase vinte e cinco anos em Braxton. Assim que você passava da superfície, ela era como uma gata mansa.
Depois de me acostumar com a ideia de que nós somos colegas, eu consegui evitar chamá-la de Reitora Terry, e me dirigi a ela pelo primeiro nome. Com um sorriso, eu disse:
– Boa tarde, Fern. Você nunca tira uma folga?
Ela quase havia conseguido a tão disputada vaga de presidente da nossa querida instituição na semana passada. O Conselho de Curadores havia, surpreendentemente, escolhido outra pessoa e oferecido a ela um papel de liderança no comitê que iria converter Braxton de faculdade para uma universidade, dentro dos próximos dois anos. Ela ficou desapontada, mas assim que nós nos conectamos e percebemos que poderíamos fazer grandes coisas juntos, Fern rapidamente subiu à bordo com a decisão.
– Kellan, é tão bom te ver. Eu estou esperando meu filho para tomarmos o brunch juntos. Ele teve que sair para resolver um problema com a produção da peça do Rei Lear. – o tom de Fern tinha mais entusiasmo do que eu estava pronto para lidar naquela hora do dia. Apesar de eu sempre ter conhecido o lado acadêmico e disciplinar dela, recentemente me conectei com a reitora de uma maneira mais pessoal, descobrindo que nós temos muito em comum. Entre o nosso amor mútuo por filmes em preto e branco e viagens cruzando o país de trem, nós estávamos destinados a desenvolver uma forte amizade. Onde esteve aquele amor quando ela me mandou caminhar sobre a brasa por algo que minha fraternidade havia feito quando eu era um estudante aqui dez anos atrás?
Até onde me lembrava, Fern tinha apenas um filho que havia graduado no ensino médio junto comigo. Ao invés de ir diretamente para a faculdade, ele havia se mudado para Nova Iorque para se tornar ator antes de retornar, três anos depois, para obter seu bacharelado.
– E como está o Arthur? Eu não o vejo faz muitos anos. – eu disse, tirando uma mecha do meu cabelo loiro escuro para longe do meu rosto com uma barba por fazer de três dias. Nana D havia sabiamente dito que eu precisava urgentemente de um corte de cabelo, mas já que eu não ia a um barbeiro no Condado de Wharton há dez anos, não tinha ideia de onde ir. Eleanor havia tentado me convencer de deixá-la cortar meu cabelo, mas isso nunca iria acontecer. Ter a mão firme com a tesoura e ser cautelosa, não eram os pontos fortes dela.
– Arthur está dirigindo a peça teatral de Braxton nesse semestre. Infelizmente, isso significa que está trabalhando para a tirana, mas ele já lidou com coisa muito pior na Broadway, tenho certeza disso. – Fern encolheu os ombros, então me ofereceu uma cadeira. Minha boca se encheu de água com a visão do rolinho de canela no prato dela, a poucos centímetros dos meus dedos dormentes.
– Não, obrigado, mas não posso me sentar. Tenho que ir pra algum lugar, mas pensei em passar aqui e te dar um oi. – eu comentei, me preparando para sair enquanto Arthur retornava de sua ligação telefônica e vinha agitado para a mesa. Imagens de um cão raivoso vieram à minha mente quando ele fixou sua expressão fria e alarmada, com as pupilas escuras centradas em sua mãe.
– Aquela mulher é uma vaca miserável, mãe. Eu não sei como você consegue trabalhar com ela todos os dias. – Arthur resmungou. Ele era alto e com uma aparência forte como sua mãe, mas ao invés do cabelo curto de grisalho, tinha um cabelo loiro e ralo que estava penteado em uma tentativa falha de esconder o que iria inevitavelmente acontecer relativamente cedo. Apesar de ele ter trinta e dois anos, rugas profundas começavam a dominar seu rosto. – Ohh, espere… Kellan Ayrwick, é você mesmo?
Eu assenti.
– Eu só posso imaginar que você esteja falando da minha maravilhosa chefe, Myriam Castle. Eu ficaria grato por qualquer dica que você possa me dar sobre como lidar com aquela barracuda venenosa! – eu disparei aquilo tudo pelos meus lábios antes que pudesse impedir minha diarreia verbal. Myriam era uma das pessoas que eu menos gostava. De todas as pessoas. Eu a conhecia faziam apenas três semanas, mas cada interação havia me deixado com um arranhão do tamanho do Texas. Entre o tom alegre e desagradável dela e sua mania de fazer citações de Shakespeare, às vezes me parecia que eu estava em um daqueles episódios arrepiantes de Além da Imaginação ou um caso sinistro do programa Candid Camera. Eu ficava esperando que alguém vestindo uma máscara de demônio fosse pular de algum lugar e gritar surpresa, mas infelizmente, isso nunca acontecia. Isso teria dado para aquela charlatã exatamente o que ela precisava por ter se metido comigo.
– Ah, se eu tivesse. – Arthur se sentou pesadamente na cadeira, secando as mãos molhadas nos seus jeans. Ele havia sido pego pelo dilúvio sem um guarda-chuva. – Corra. Isso é tudo o que eu posso dizer quando é em relação a…
– Agora, Arthur. Todos sabemos o quanto ela pode ser difícil, mas não vamos dizer algo do qual você possa se arrepender. – Fern o interrompeu enquanto dava tapinhas no braço de seu filho. – Lembre-se, essa é a sua oportunidade para entrar no ramo da direção e parar de atuar. Não é isso que você disse que queria? – Fern estava preocupada como uma galinha tentando acalmar seu pintinho. Eu raramente via esse lado dela, mas ela lidava com seu filho com serenidade e tato.
– Eu sei, mãe. Myriam acabou com toda a cena de abertura que nós estávamos ensaiando há quatro dias. Agora, eu tenho que remontar o palco antes do ensaio de figurino amanhã. – ele grunhiu e deu uma mordida agressiva em seu sanduíche de queijo quente. Seus caninos pareciam com as presas de um vampiro.
Arthur atendeu uma ligação de alguém chamado Dana em seu celular. Já que ele e Fern estavam ocupados e meu café estava esfriando no balcão, eu me desculpei para sair. Eu fingi não ter escutado quando Fern arquejou quando Arthur contou à Dana que ele também queria matar uma mulher pelo que ela havia dito nos ensaios da noite passada. Eu me sentia mal pelo Arthur que teria que encontrar uma maneira de trabalhar com aquela mulher corrosiva, ou ela faria da vida dele um inferno.
Quando Myriam se tornou a nova chefe do nosso departamento, tive que aceitar as direções que ela me deu, já que eu estava ministrando aulas para as turmas de escrita para broadcasting, produção televisiva e história dos filmes. Nós tivemos a nossa primeira reunião supervisora nessa semana, onde ela deixou as coisas de maneira bastante claras, dizendo que assim que meu pai tivesse se aposentado oficialmente como presidente da Faculdade Braxton nos próximos dias, eu não teria mais ninguém para me proteger. Eu posso ter conseguido um contrato garantido para um ano, mas Myriam me esclareceu articuladamente que a nova presidente (sua esposa, Ursula Power) poderia cancelá-lo.
Eu peguei meu café e continuei meu caminho até a Nana D. Ela era a dona e gerente do Rancho Danby, um pomar e fazenda orgânicos na parte sul do Condado de Wharton. Em uma época na história do condado, o rancho tinha a maior área cultivada de todas as propriedades rurais, mas Nana D vendeu uma grande parte dele depois que meu avô faleceu. Enquanto eu fazia a curva para entrar na estrada de terra que levava até sua casa de fazenda, coloquei os pensamentos, sobre minha esposa que havia voltado dos mortos e sobre a minha chefe pirada, em uma parte separada da minha mente, e me foquei na próxima missão irracional que eu tinha pela frente.
Quando estacionei no Rancho Danby, minha filha de seis anos correu para fora da casa e pulou nos meus braços. Eu balancei Emma de um lado para o outro e beijei suas bochechas. Ela havia dormido na Nana D na noite passada, para que elas pudessem ter uma festa do pijama, aparentemente sem nenhum menino sendo convidado.
– Papai! Nós fizemos smores na noite passada. Eu passeei de trator de manhã com o ajudante de fazenda da Nana D. Ele tem uma filha da minha idade. Posso brincar com ela? Quando nós vamos ao zoológico? – Emma perguntou, incapaz de conter sua animação. Os cabelos castanhos escuros e frisados estavam presos em tranças, e ela vestia um adorável macacão jeans que Nana D havia costurado na semana anterior. Emma havia herdado a pele cor de oliva de sua mãe, o que me fazia incapaz de esquecer da beleza encantadora da minha esposa.
– Isso parece bem divertido, minha querida! – eu a coloquei sentada ao meu lado no balanço, para passarmos alguns minutos juntos, antes de ter que lidar com os velhos chorões. Nós jogamos algumas rodadas de cama-de-gato e conversamos sobre a noite dela antes que Emma decidisse me levar para dentro da casa. Enquanto ela se servia de um copo de suco e começava a assistir um vídeo, eu marchei para dentro do antro para ser aterrorizado.
Haviam mais quatro pessoas na sala além da minha avó, todos os quais eu já havia conhecido no passado. Era uma reunião de membros fundadores do Clube Septuagenário de Braxton: Nana D, Eustacia Paddington, Gwendolyn Paddington, Millard Paddington e Lindsey Endicott. O clube foi formado há alguns anos atrás quando todos completaram setenta anos, para celebrar o reflorescimento das suas juventudes. Eles haviam iniciado pelo menos quarenta novos membros e viviam livremente, tentando reconquistar qualquer independência restante de suas famílias, que os haviam colocados em lares para idosos ou tirado suas carteiras de habilitação. Nana D era a líder e causava os maiores problemas pela cidade. “Não é meu macaco, não é meu circo,” eu às vezes tinha que lembrar a mim mesmo quando alguém implorava que eu a impedisse de causar qualquer problema que ela tivesse começado.
– Ah, se não é aquele pequeno molhador de cama. – Lindsey Endicott provocou, um advogado aposentado de setenta e seis anos de idade com quem tanto Nana D, quanto Eustacia Paddington, estavam saindo. Sua camisa polo rosa chocante era dois tamanhos menores e revelavam demais a sua barriga de cerveja. Assim que ele havia vendido seu escritório de advocacia, resolveu abrir uma pequena cervejaria em uma das áreas mais frequentadas da cidade. O único problema era que ele era seu melhor cliente, e nunca havia aprendido quando ou como parar.
– Oooh, ele parou de fazer isso há muitos anos atrás, certo, Kellan? – Eustacia disse. Sua roupa de exercícios azul brilhante a vestia perfeitamente, mas ela obviamente não estava vestindo nada por baixo. Eu sacudi minha cabeça com a visão dos vários pontos marcados pela idade e desviei meu olhar para qualquer outro lugar longe dela. Ela continuou. – Eu me lembro quando ele tinha aquele terrível problema. A pobre Seraphina tinha que trocar os lençóis todas as vezes que o garoto dormia aqui.
Será que isso podia ficar ainda mais embaraçoso? Eu tinha três anos de idade e uma bexiga complicada naquela época. Eu já havia ganho controle total da situação há quase três décadas nesse ponto.
– Podem parar com isso, vocês dois. Eu vou jogar suas pequenas pílulas azuis na lata de lixo, Sr. Endicott. O que você acha disso? – os olhos dele se arregalaram fazendo com que suas duas sobrancelhas enormes parecessem com formigas procurando migalhas de comida. – E você, Srta. Paddington… vou cortar vários centímetros da sua bengala e ver como você anda cambaleando por aí.
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